quarta-feira, 22 de junho de 2011

Laurinha

Por volta do início da Primavera a narrativa de vida de Laurinha registou um dia invulgar. Uma amiga pediu-lhe ajuda para mudar a disposição da sala, alterar a organização dos móveis e objectos dispostos. Laurinha, como boa amiga, aceitou sem hesitar: «um intervalo na tese é bem-vindo». No dia combinado, começaram animadamente a despejar gavetas, arrastar móveis, bater tapetes, ordenar livros e seleccionar castiçais, molduras, quadros, velas, estatuetas, recordações e outros objectos de decoração. Passadas algumas horas Laurinha, habituada a tarefas bem mais cerebrais, começou a ficar cansada e, por rara que fosse a impressão, sentiu-se suada. Simpatizou com o corpo quente e permitiu-se aumentar o intervalo que inseriu na sólida ordem das coisas. Recolhe uma pequena lembrança comprada em Itália: «a Torre de Pisa não fica bem aqui, a mesa de centro é muito baixa e há o perigo de cair ao chão, talvez nas prateleiras dos livros». Dá meia volta e encontra as lombadas de Haruki Murakami: «vou à casa de banho». Sentada na sanita, com o tampo fechado, coloca a torre inclinada numa das pequenas estantes, junto dos tampões e dos cotonetes, e fica a olhar para a pequena réplica, para a inclinação incrível, impossibilitada de vislumbrar outras construções em terrenos movediços.

Despediu-se da amiga justificando que tinha em mente vários parágrafos «ideais» para continuar a escrever a tese. Não foi directa para casa e só chegou quando os vizinhos já estavam absorvidos por sonhos de que não se lembrariam de manhã.

1 comentário:

  1. Aqui vai uma corrente blogosférica. Com um abraço:

    delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/3165857.html

    P. C.

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