quarta-feira, 15 de junho de 2011

Job

Se o filho de Mendel Singer fosse só aleijadinho, tudo bem, as pessoas paravam na rua, lamentavam, teriam uma palavra de conforto para com a mãe e continuavam caminho a abanar a cabeça e a apertar os lábios para reter as lamúrias. Pareceria, por fim, que las bendiciones del cielo iniciavam os efeitos esperados. Mas ao filho de Singer também davam ataques, ataques epilépticos, sem se fazerem anunciar. O filho de Mendel Singer começava a estrebuchar, o corpo a agitar-se, como um sismo que não se sabe quantos segundos vai demorar. Impunha respeito. Não havia como acalmá-lo. Acontecia em qualquer lugar e às vezes até parecia sacrilégio. À cautela, o miúdo ficava vários dias fechado em casa. O diabo metido no corpo, diziam sem complacência. Mendel Singer passava os piores vexames com aquela amostra de diabinho – e encarava-o como um castigo de Deus. Mas a Singer não passava pela cabeça discorrer sobre os insondáveis desígnios do Espírito Santo. A ele não lhe interessava olhar para trás. E enquanto Singer ajudava a compor as flores no altar, fechado em casa, o filho esperneava e espumava pela boca.

a propósito de: Joseph Roth, Job. Acantilado, 2007.

(Reescrito.)

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