quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Jardim vertical

Todos os dias de manhã faço o mesmo caminho até chegar ao escritório. Atravesso as mesmas ruas, vejo os mesmos edifícios, encontro as mesmas caras, repito pensamentos. Passo por um edifício de dois andares, aspecto clássico e bem conservado, que tem várias trepadeiras a revestir toda a fachada. O edifico faz esquina com a praça da constituição, à qual enquanto jovens, com ânimo de gozo, chamávamos praça da «prostituição».
Várias trepadeiras crescem em sentidos diferentes. Não se percebe como estão seguras. Ocupam toda a face visível do edifício, com vazios propositados no telhado nas varandas e na porta. São daquelas trepadeiras densas que a minha mãe detesta. Ela suspeita que sob as folhas se esconde um viveiro de osgas e lagartixas. A minha mãe prefere as paredes brancas e sem vestígios de folhagem.
Na primavera crescem flores. A beleza do edifício confere algum charme ao meu percurso diário. Reduzo o ritmo, esse ritmo que nunca consigo manter, ao passar pelo edifico da praça da prostituição. As janelas sempre fechadas, a porta nunca aberta. E o pequeno edifício até parece ter existência própria para além do possível uso humano. Estará habitado? Uma vez tentei informar-me junto do carteiro da zona. Quem vivia, se recebiam correspondência. O carteiro respondeu-me que na porta não havia número e que para ele o edifício não existia: «e a casa não tem sequer caixa de correio, para mim é apenas um jardim plantado na pedra, um jardim vertical».