sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Néon

Durante o dia comentavam o quanto achavam feias e antiquadas as luzes néon por cima das portas do bar. A típica classe de pruridos que desapareciam à noite. O nome do bar aparecia em letras néon, em diferentes cores, a piscar. As iniciais SF, e depois as duas palavras: Sem Final. S.F. Sem Final. «Agora nos melhores bares já nem aparecem letreiros», insistiam, «e tu não precisas de exibir o nome, já és suficientemente conhecido. Arranca isso, moderniza-te». Depois, de noite, já ninguém se preocupava com as luzes de néon intermitentes.

O bar esteve aberto durante 32 anos. Trespassei-o porque já não resisto a noites seguidas acordado. Retirei-me porque o coração já não aguenta tanta pancada. Agora vivo de medicamentos. E de recordações. Havia muita clientela, vinham muitos jovens. Procuravam música que não estivesse na moda e ao mesmo tempo que os pudesse surpreender. Passei toda a vida a encher copos. Todos os que me pediam. Bem servidos. Nunca medi o álcool para que ninguém medisse as palavras. Não quis enriquecer. Adorava aquela vida de barman. Assistir às histórias a que assisti já foi paga suficiente. Não casei. Não tive filhos. Eu próprio vivi muitas histórias. Mas preferia as alheias. Não gosto de pensar nas minhas. A minha vida baseou-se em cada noite de divertimento e resgate que ajudava a proporcionar. Lembro-me de muitos episódios, de muitos discursos. Todos os que vocês possam imaginar. E todavia ficariam aquém. Um dos últimos foi protagonizado por um casal que ficou até muito tarde. Ela era mais jovem. Ele mais velho, mas não muitos anos mais. Ficaram até à hora de fechar e não paravam de dançar, sobretudo ela. Ele não desviava o olhar da rapariga. Estava completamente hipnotizado. Nessa noite foram os últimos clientes. Aproximaram-se do balcão. Ele começa.
>> De onde é a Heineken? Não gosto, não tem sabor, a cor amarelada parece totalmente inofensiva e no entanto embebeda um pouco. Oiça, quero uma testemunha, nunca me ensinaram a escolher quem amar, ensinaram-me muito pouco, em geral complemento sempre a verdade, a verdade simples é uma mentira pegada, nunca fiz mal a ninguém, não sei viver, queria ter uma vida que não me trouxesse remorsos, gosto muito dela, chama-se Ana, já conheci muitas Anas, de certeza que você também já conheceu muitas Anas (acenei com a cabeça), mas esta, apresento-lha, é a única Ana possível. A vida vai continuar depois desta noite, para nós a vida ainda é muita longa, ainda tenho muitas ocasiões para errar e não vou perder nenhuma, nunca aprendemos, já viu como ela é radiante, não lhe parece que devemos lutar, não acredito em milagres, só acredito na luta, saía tantas vezes do lugar, mas andava vazio, olhava… estudioso como sou estive com mulheres pelas quais pensei num ou noutro momento estar provavelmente apaixonado. O tipo de mulheres a quem devem ser retribuídas a beleza com dedicação. Essas são as mulheres que merecem ser amadas. Onde o prazer fica bem experimentado só por estar junto delas. Mas também estive com outras que nem a mínima ilusão de afecto despertavam, momentos de fisiologia e descaramento e adeus que me vou embora, mas nunca temos a certeza, sabe, a porta está sempre no trinco, podemos sair a qualquer momento...

E prosseguiu nesse tom até ela sugerir que era tarde. Nunca mais soube do rapaz. Mas a Ana voltou outras noites. Uma vez perguntei-lhe pelo «suspeito». Então o suspeito? Ela não percebeu. O suspeito, aquele que pedia uma testemunha. Ela riu-se e pediu um gin tónico. Queria um gin tónico. Tanqueray, por favor. Saquei o copo, algumas pedras de gelo e limão. Coloquei o copo à frente dela. Servi-lhe o gin e completei com água tónica. Uma das primeiras coisas que aprendi atrás de um balcão foi a nunca fazer duas vezes a mesma pergunta. Enquanto alguém já me fazia outro pedido, vi-a afastar-se.