sexta-feira, 1 de julho de 2011

SEM HEROÍSMOS, POR FAVOR

O homem levanta-se da cama e aproxima-se da janela do quarto. Desvia o cortinado e vê o céu azul. Vive numa pensão de uma única estrela. Retirada do céu e sepultada na placa ao lado da porta do edifício. A pensão é propriedade de duas irmãs, casadas com dois irmãos gémeos. No total, os dois casais trouxeram ao mundo dois rapazes e três raparigas. Os filhos não percebem como foi possível a paixão de quatro pessoas ficar distribuída somente em duas casas. Ocorrências possibilitadas pela longínqua vida de aldeia. Uma vez, uma das raparigas falou com a avó materna que lhe contou uma história de sossego. “Foi um sossego, andavam sempre as duas, eu dizia-lhes para nunca se zangarem e serem amigas, preocupadas em ajudar-se uma à outra em todos os momentos da vida”. Simone - era este o nome da rapariga - achou extraordinária a história dos dois pares de enamoramentos. Enquanto ouvia a história dos pais e dos tios não era a cara dela que estava diante da avó e sim uma máscara sem expressão. Simone percebia uma semelhança incrível de comportamentos: os quatro encaravam a vida como uma só cabeça, os quatros podiam ser como um dos monstros descritos no Apocalipse.

O homem abre a janela e vê as pessoas na praia. Estavam poucos chapéus na areia. Havia fome de luz e calor. Fome de sol. O homem despe a camisa que acabara de vestir e fica em tronco nu. Passa a mão pelos pêlos do peito. Encosta-se à janela e vê os arbustos. Da janela do terceiro andar não consegue perceber se a praia produz felicidade. Em princípio, gera bons momentos. Os arbustos precisam de ser aparados. O homem senta-se no cadeirão ao lado da janela. Mais tarde poderá vestir o calção e descer até à praia. Não tem que decidir já. O excesso de luz obstruirá a visão e não conseguirá ler mas poderá dar um mergulho e dormitar. Escusa de ficar encerrado no quarto quando a temperatura está tão amena. O homem levanta-se e corre um pouco os cortinados. Depois estica os lençóis na cama. Puxa os testículos com a mão direita. Vai à casa de banho e enche a garrafa de água que conserva na mesa-de-cabeceira. Olha pela milésima vez para o quadro por cima da cama. Uma paisagem sem relação com os arredores. Uma montanha nevada.

O homem estava de novo sentado no cadeirão quando bateram à porta. Era Simone. Estavam todos na praia e ela ficou como responsável de turno na pensão. Simone entrou à voz de Passe. O homem vivia na pensão há vários anos e a rapariga conhecia-o desde criança: “Porque não aproveita o sábado e vai apanhar sol?” Simone aproximou-se, flectiu a perna e colocou um dos joelhos em cima da cama. O homem olhou para a pele branca e lisa do joelho de Simone, branca como o peito dele, ignorado o facto de nunca na vida ter feito a depilação e assemelhar-se mais a urso que a homem. Simone não acrescentou nada mas também não moveu o joelho. O homem sumiu-se um pouco mais no cadeirão e curvou um pouco as costas enquanto o pénis se endireitava por si próprio à vista do joelho redondo e pequeno que, como uma seta, apontava na direcção do coração hibernado de urso.

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