terça-feira, 3 de maio de 2011

Mc Kinleys

É com dificuldade que concilio o sono. A noite de Domingo é a mais difícil porque durante o fim-de-semana acabo por baralhar as horas habituais de descanso. Na rua onde moro existe uma discoteca que só abre aos domingos. Uma dessas discotecas para pessoas mais velhas e endinheiradas. É frequentada por grupos de casais e por pequenos grupos de mulheres e homens que procuram divertir-se e conhecer alguém nas mesmas condições de tempo e liberdade. A zona é bastante tranquila e não existem indícios de prostituição nem de encontros com objectivos mais aventureiros que a troca de palavras ou procura de companhia. É uma discoteca com um ambiente familiar. Apesar de não ser orientada para a minha idade, alguma vez já pensei entrar. Conheço o porteiro, um tipo alto, cinquentão, o cabelo branco muito comprido, apanhado num rabo-de-cavalo à altura do pescoço; vejo-o sempre com um sobretudo negro.

Subia a rua. Reparava no brando e lento movimento das pessoas que se aproximavam da discoteca. Cruzei-me com um homem que devia rondar os 60 anos. Pediu-me lume e perguntou-me se morava na zona. Depois de ouvir a minha resposta, confessou-me que já tinha pensado várias vezes em visitar a discoteca. Queria, por uma noite, dispensar os comprimidos para dormir. Disse-lhe que fazia bem. Que segundo as minhas informações a discoteca tinha bom ambiente e era bem frequentada. Era isso que queria. Explicou-me que era viúvo e não tinha sido um bom marido. Agora procurava paz mas sentia-se sozinho. Não sabia como fazer para emendar-se um pouco mas não queria acabar na mais profunda solidão. Normalmente visitava locais onde se comprava directamente a companhia e onde a sua prosápia estava plenamente justificada. Quando tinha que relacionar-se sem existir dinheiro pelo meio, acabava por tornar-se sorumbático e afastar o interlocutor. A noite estava verdadeiramente sanguínea. Continuavam a chegar, conversavam entre elas, algumas andavam pelos cinquenta anos, muito diferentes das miúdas com quem me encontrava em zonas de festa da cidade.

As palavras do homem provocaram-me um nervoso miudinho. Era hora de voltar a casa mas começamos a caminhar em direcção à discoteca. Eu não parava de olhar para a porta e para quem entrava, cumprimentando com ar afável o porteiro. Suponho que tinha curiosidade em saber como era o trato entre pessoas num meio que não deixava margem para incertezas. Cada qual sabia ao que vinha. Seguramente gente que não acreditava em palavras fátuas. Suponho que menos apressada, com menos encenação geral e mais cuidado no detalhe. Mas que sabia eu? Praticamente já não ouvia o homem. As malditas palavras do velho pareciam soporíferas.

Vi-me dentro da discoteca com o velho por acompanhante. O homem estava acabado, disso não havia a menor dúvida. Os remorsos eram a sua doença. Tantos escrúpulos com o passado pareciam-me sobretudo ridículos. Não me admiraria que o homem se tornasse religioso e um dia se fosse confessar, pedindo perdão, arrependido de ter vivido. Um súbito medo do inferno ou algo do género. Sem surpresa, os olhares das mulheres voltaram-se para mim. Não podia continuar ao lado do velho. Restavam-me duas hipóteses. Despedir-me e voltar para casa ou despedir-me e sentar-me com duas das mulheres que não desistiam de mim. Estava com muito sono e qualquer decisão que tomasse ficaria inscrita num sonho do qual não restariam lembranças muito sólidas, quando de manhã antes de sair para o trabalho estivesse a lavar a cara e me visse ao espelho.

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