domingo, 8 de maio de 2011

Antes que me esqueça (3): Michel Houellebecq

E o que se passa quando tens uma consciência quotidiana que não esmorece? Entras todos os dias à mesma hora e estás obrigado todos os dias a dizer bom dia e a fazer boa cara. Apenas por boa educação. É salutar mas é patético. Por um lado compreendo a necessidade. A convivência tem regras que é bom não começar a perder em massa. Mas eu sou apenas um. Os dias seguidos são difíceis de suportar. Quando estás sozinho passa-se melhor o tempo. Ouves música, lês livros, vês umas coisas na internet. Podes passar o dia inteiro a achar que mais de metade do mundo é ridículo. E a sentires-te bem por de certa forma te situares fora do mundo. É impossível deprimires porque nunca te aborreces. Tens uma espécie de trabalho de escritório. Toda a gente tem uma espécie de trabalho de escritório. As conversas e as situações repetem-se. O que a mim me impressiona é a capacidade de desmemória. Vive-se cada situação como se fosse totalmente nova. As conversas, as opiniões, os risos, são uma eterna repetição. A mim tudo isto me provoca um tédio incrível. Começas a enervar-te e terminas com tiradas cada vez mais brutais, pareces responder como escrevia Michel Houellebecq em determinado livro “On the day of my son's suicide, I made a tomato omelet”. Sabemos  de antemão que Eduardo Pitta, de sensibilidade francófila, nunca leria Houellebecq sem fazer múltiplas caretas. Mas não é uma questão de estilo. Corresponde, com grande precisão aliás, à forma como vives. Não há nada como uma rápida associação de ideias para desbaratar um intricado nó que os acasos da vida te põem diante. A isso não renuncio, é a minha forma de continuar a dizer bom dia. Lembro-me de Luiz Pacheco contar que depois de JMF acertar a sua colaboração no jornal, o anunciaram como “o incansável polemista”. Pacheco deixou a colaboração justificando que não dava porrada por encomenda. Há minúcias que as almas serenas não entendem.

La noche me confunde, me resbala, segredava-me, abrigando-se das minhas investidas, uma das espanholas com que me cruzei, precisamente, a horas tardias. Talvez motivado por escrúpulos semelhantes, Günter Grass dizia que não confiava na facilidade com que as palavras apareciam durante a noite. O autor de Palhaço de Agosto desconfiava da noite e era por isso que escrevia sobretudo manhã cedo, pela fresca, quase apetece acrescentar. Houellebecq levanta-se à uma da manhã e é a essa hora que começa a escrever, meio sonolento e antes de iniciar a toma de várias chávenas de café. Dizer em minha defesa que Günter Grass é um autor que aprendi a ler, e até a simpatizar.

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