terça-feira, 22 de março de 2011

Espinhas

Anunciava um papel de mesa afixado na porta do restaurante. Peixe fresco. Também grelhado. 700$00.

Isto passou-se há coisa de um ano. Aquando da minha última mudança. O restaurante ficava numa esquina de um bairro da cidade antiga e eu vivia numa mansarda com vista para o castelo. Durante meses cada vez que passava ao lado do restaurante não podia evitar renovar a surpresa ao mesmo tempo que esperava ver o anúncio finalmente alterado – não que esperasse realmente, que gostava daquela alteração da vida habitual, mas simplesmente a bem das contas do dono do restaurante.

A primeira vez que usufruí da refeição a preço antigo foi a um almoço de sexta-feira. Como não podia deixar de ser, o restaurante era sobretudo frequentado por comensais forasteiros, gente empregada nos escritórios, alguns funcionários, bancários, pessoas que tinham algum negócio a tratar e que de segunda a sexta-feira nunca saíam do papel que lhes tocava desempenhar.

Um prato de peixe (múltiplas variedades) e uma salada (alface, tomate, cebola, temperadas com sal grosso e azeite) custavam os três euros e meio. A bebida, a sobremesa e o café eram pagas em somatório. Voltei algumas vezes, sempre ao almoço. O restaurante encerrava ao jantar e ao domingo não abria. Passei a conhecer os empregados, que se vestiam todos de igual e de modo impecável: camisa branca e calças engomadas. Nunca perguntei qual a razão dos preços praticados. Nem tampouco porque só preparavam pratos de peixe e nem um, único, para amostra, prato de carne.

Sem dúvida, o pior de tudo era realmente a presença, as conversas, os comentários, dos forasteiros que embora já sendo habituais, continuavam a escarnecer do dono do restaurante, um homem magro, baixo e de pouco cabelo, que invariavelmente vestia uma camisa que lhe ficava larga no pescoço e um casaco que lhe dançava nos ombros. Almoçava todos os dias na mesma mesa para quatro pessoas e de costas para a janela. O resto do tempo ocupava-o a ajudar aos trocos atrás do balcão. Era raro vê-lo trocar alguma palavra com os empregados.

Uma das sextas-feiras, depois de pagar a um dos empregados, dirigi-me ao balcão e perguntei a José Inácio se me trocava uma nota de dez euros. Enquanto ele remexia na caixa registadora aproveitei e perguntei-lhe a razão pela qual não servia jantares. Ele estendeu-me a mão com dez moedas de um euro e vi reflexas, com demasiadas protuberâncias para serem redondas, dez pequenas caras de José Inácio, ao mesmo tempo que me respondia, sem vigor absolutamente nenhum mas com a segurança de quem pode enunciar a função de cada espinha que é posta de lado no prato, À hora do jantar o peixe já não está suficientemente fresco.

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