quinta-feira, 12 de maio de 2011

Exageravam

O campino José A. aprendeu a montar ainda em criança. Ensinou-o o avô. O pai era feitor de uma casa agrícola para os lados da Golegã e raramente estava presente. Quando se viu livre da escolaridade obrigatória passou a viver na lezíria, no meio dos cavalos e do gado.
O campino José A. não queria ser símbolo nacional, como o galo de Barcelos, só desejava o que lhe correspondia: ser respeitado como um trabalhador rural. Um dos poucos que resistiam. Os companheiros de labuta admiravam a comunicação que estabelecia com os cavalos. Uma comunicação que prescindia totalmente das esporas ou do chicote. Bastava a postura no assento, o equilíbrio, as pernas, as mãos e sobretudo a voz. José A. só existia a cavalgar. Mas não tinha aquele estilo altivo de cavaleiro. Era só um trabalhador rural. E trabalhava muitas horas. Era pontual, incansável, organizado e dedicado. José A. não tinha tempo para discussões sobre touros. Chegava a casa e não conseguia seguir os debates televisivos onde os argumentos expostos se apoiavam totalmente em esporas e chicotes – pressentia ele e assustava-se um pouco. José A. jamais esquecera quando o avô, no meio de enorme alvoroço e preocupação,  foi responsável pelo salvamento de vários touros aquando de uma subida repentina das águas do rio Tejo.
José A. cavalgava entre o Tejo e a linha ferroviária do norte. As distracções eram sumamente reduzidas. A linha do norte percorre boa parte da lezíria ribatejana. José A. vislumbrava ao longe uma locomotiva, esperava que se aproximasse na planura e rapidamente contava as carruagens que puxava, demorava o olhar à retaguarda da composição e mantinha o olhar no horizonte enquanto divisava as duas luzes vermelhas nas extremidades da última carruagem. Através do tamanho da composição, fazia estimativas e calculava se o comboio levava mais passageiros que dias anteriores. Enquanto isso talvez dois touros já estivessem à marrada.

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