sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Luto / Pornokopia

Anos 80. Enquanto José T. agonizava numa cama de enfermaria eu subia às árvores do exterior do hospital. Tinha 11 anos. Não houve tempo para uma lavagem ao estômago. Farto das ameaças e antes que os sócios decididem-se acabar-lhe com  a raça, decidiu tomar um frasco de remédio para as ervas – era exactamente assim que se contava. Enquanto os familiares e amigos o visitavam eu arranhava-me nos troncos das árvores. Mesmo durante a permanência no hospital falavam de negócios. Os mesmos negócios que o empurraram para um beco sem saída. Escolhia as árvores com os ramos mais baixos. Depois entusiasmava-me e escalava directamente os troncos das árvores. Caí algumas vezes. E quando me levantava sabia que estava capacitado para subir mais alto. O filho de José T. elogiava continuamente o pai com aquela brutalidade e marialvismo próprios de quem saiu da província, emigrou, e à custa de litros de suor ganhou muito dinheiro em pouco tempo, engrandecia continuamente os “colhões” do pai - era exactamente assim que ouvia. O resto da família, durante mais uns anos, continuou com os negócios. Depois foi cada um para seu lado. Todas as ligações se desmembraram. José T. era o garante de alguma harmonia.

Passava muitas tardes na casa da viúva. Ela vivia na única casa do povo que tinha televisão por satélite e eu ficava no sofá a ver desenhos animados. Sentava-se comigo e fazia-me companhia. Sempre vestida de preto, desde aí a cor mais intensa, um luto para mim exaurido de tristeza e onde, pela primeira vez, a sensualidade se corporalizou. Lembro-me bem dos joelhos dela. Unidos e fortes, bem delineados. Ainda hoje reparo muito nos joelhos das mulheres. Dei com ela muitas vezes a chorar. Não consigo imaginar José T. com 11 anos. Nunca se deve ter sentado a ver desenhos animados. José T. não deve ter tido ocasião para arranjar os próprios significados e reparar nos joelhos das mulheres; só a satisfação imediata, sem preâmbulos, o acesso directo, o murro no estômago. E a viúva perguntava porquê, a viúva era a única que ainda fazia perguntas.