domingo, 19 de dezembro de 2010

Trabalho

Monsenhor evitava aborrecimentos. Mas não se furtava à responsabilidade quando pressentia paroquianos tresmalhados. Fazia visitas, pedia licença para entrar e conversava. O dia-a-dia na aldeia, as dificuldades da convivência, o ganha-pão possível, as raras interrupções do sossego.
Outras vezes mudava Monsenhor a face ligeira e carregava no sermão encaminhador. Nesses dias demorava a pegar no sono. Recapitulava e polia as vidas diferentes, tão distintas da sua. Também desejava ter algo que corrigir. O destino de Monsenhor era fácil de adivinhar. Observando-o a sonhar acordado, deitado na cama onde só cabia um corpo, a completar existências banais que sabia íngremes.
Demorou algum tempo a deixar o pastoreio das almas mas a mudança foi só um deslize. A decisão tomara-a, sem se aperceber, nas noites de insónia que deixavam consequências nas certezas de Monsenhor, agora, vendedor de fornos e casotas de cão num stand à beira da estrada nacional. Monsenhor, ficou o nome afectuoso, estala a língua contra o céu-da-boca quando soma mais um negócio. Adormece satisfeito e cansado. Afinal qualquer actividade é digna de esmero.