quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Georges Perec

Na sala de leitura sentei-me no único lugar disponível, perto da janela, ao lado de uma mulher que lia uma espécie de enciclopédia sobre determinado assunto, por exemplo “Todos os abetos”, e digo-o por uma questão de datas. Sentei-me para descansar. Meio distraído e nada entregue ao livro que levei, olhei através da janela. Estava uma rapariga na casa em frente a tirar fotos à rua, presumo que às iluminações de natal. O andar onde eu estava não permitia ver os telhados. Depois devo ter dado uma olhadela ao tecto, que é o pior sítio para encontrar coisas escritas por nós mesmos. Sem outro ponto de interesse imediato, segui o inventário, ao estilo Georges Perec, e reparei na mulher que tinha ao meu lado. Interessei-me de novo pelo livro que segurava nas mãos. Menos que uma enciclopédia parecia um catálogo, com pouco texto para o tamanho das páginas e algumas imagens inconclusivas. A minha prudência ao olhar para a mulher pareceu-me delimitável pela educação, no entanto e dada a proximidade, ela notou e mostrou-se incomodada. Imediatamente aproveitei a oportunidade e em vez de continuar pela sala tentei esgotar o conjunto visível de movimentos que a mulher apresentava, movimentos nascidos do meu olhar que continuava a partir do canto do olho.
Passou páginas seguidas. Mexeu as pernas. Ambas ao mesmo tempo. Deslocou toda a palma da mão por cima de uma folha, menos um afago e mais uma tentativa de mitigar o tremor dos dedos. Suspirou. Talvez para controlar melhor a circulação do ar nos pulmões. Deslizou o catálogo para si, que lhe tapou os braços. Fez pressão contra o assento. Ou isso me pareceu. Olhou para a porta, localizada em ponto diametralmente oposto ao sítio onde eu estava. Ao fazê-lo, levantou a cabeça por fases. Ela sentada com o catálogo nos braços, lembrava um monte compacto de matéria orgânica. Um aglomerado de folhas secas que alguém havia varrido para um canto e onde apenas se moviam insectos e outras coisas pequenas. Podia chamá-la pelo nome que fingiria não escutar.
Depois levantei-me. Não percebi se era bonita ou feia, nova ou velha, se parecia inteligente ou limitada, feliz ou infeliz. Mas esgotei todos os seus gestos mínimos, completamente irrelevantes. Exercícios de fuga insignificantes. E deixei que a mulher voltasse à paz da sua particular leitura enumerativa, por exemplo “Todas as lâmpadas mágicas que podem fazer reais os teus desejos de encontro”.