sábado, 11 de dezembro de 2010

F.

F. guardava cinco violas e as duas de casa eram quase relíquias. Sentava-se e dobrava-se sobre uma delas. Dedilhava as cordas. Acompanhava a melodia clássica que passava na aparelhagem. Voltava a levantar-se e colocava a viola na armação.  A conversa que eu fazia era palha do momento. «Está afinada», dizia-lhe, «Nem por isso, estas são as mais antigas, tenho guitarras um pouco mais a sério, com amplificador, é com elas que toco nuns bares de Lagos e onde me deixam. Toco com um amigo e faço uns trocos. Já é mais que passatempo. Um complemento para o fim do mês» respondia ele, rosto delineado, voz radiofónica, ar juvenil, confirmava a resenha dos jornais: novo para a reforma e velho para trabalhar. Mas não era testemunho de nada, nem queria categorizá-lo.

Gostava que o tivessem continuado a deixar tocar nos bares de Lagos, ou onde se sentisse bem. Ortega y Gasset dizia que quando te esforças durante muito tempo por algo que é inútil o único que consegues é uma crescente melancolia; F. escreveu num caderno que depois encontrei na mesma sala onde o ouvi tocar pela primeira vez: Estou preso às coisas que me acontecem, ou dito de outra forma, às coisas que aguardava e que afinal não chegam.

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