quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sentimento de paisagem

Do que faço questão de manter através do tempo: o «sentimento de paisagem». É o que me acompanha todos os dias. Sobretudo quando é necessário implodir as palavras e criar uma linguagem nova e mínima para continuar a caminhar terra adentro. O sentimento de paisagem parte de um distanciamento em relação ao objecto (eu próprio), ser palhaço de si próprio, experimentador e experimentado, impostor e juiz ao mesmo tempo. Para isso, não raras vezes, preciso desdobrar-me em duas ou mais consciências: uma com base fantasmagórica (e por isso totalmente corpórea, que beija) e outra exclusivamente amoral (baseada em critérios ficcionais e de estilo, na utilização de conceitos culturais avulsos, admito, e na busca de uma razão intelectual, «real», essencial, humana, para explicar a fantasmagoria, que em breve deixará de estar isolada (deixará de ser ímpeto, suor e pele) para ser englobada pela biografia e pela história própria como forma de justificação. O «sentimento de paisagem», conforme o nome indica, prende-se com a aceitação de vários estímulos ao mesmo tempo dos quais resulta uma mistura esmagadora mas que é a principal propulsora do comportamento. Uma experiência continuada e radicalmente individual, às vezes assombrosa, da qual resulta uma enorme emoção com o belo – como quem observa uma paisagem lindíssima (ou seja, contendo pelo menos a presença de um objecto óbvio e outro deslocado) e atingindo dessa forma a concórdia interior ou pelo menos algum conforto. O sentimento de paisagem é mais contemplativo que melancólico, é mais estável que passageiro, mais contemplativo que romântico, é bem mais convalescente que enfermiço, mais optimista que pessimista e mais desesperado que cobarde, em definitivo mais Boards of Canada e menos Bon Iver.

[Samuel Filipe]