domingo, 21 de novembro de 2010

Despertar dos cavalos

É verdade que passava a noite toda em branco. Mas isso era porque me pagavam para me manter acordado. Estava num primeiro andar, um salão de uns 200 metros quadrados, com uma secretária, uma cadeira e um aquecedor. De resto, vazio. O salão tinha uma longa parede de janelas que dava para um armazém onde havia material de prova que devia ser preservado até ser apresentado em julgamento. Caminhava lento e parando a cada passo no salão enorme. E ouvia o meu próprio cigarro queimar. A única luz, quando a ligava, vinha de um pequeno candeeiro de leitura que usava para avançar no Crime e Castigo, leitura que me ajudava a fazer as rondas e a não ter medo, pensando a cada volta de esquina que era um homem e não um rato. Passava uma noite tensa mas sabia que ali fazia falta e que era a claridade que não necessitava a minha presença.
Os primeiros raios de sol começavam a iluminar o Tejo e a claridade subia a colina até bater nas janelas que davam para a estrada. O relinchar dos cavalos nos campos em frente indicava-me que o meu papel de guarda-nocturno cessava. Restava-me apreciar a transição entre a noite e a manhã. E ainda que amanhecer significasse que podia ir para casa e abandonar a minha reclusão momentânea, inóspita, a minha noite fechada, procurando ruídos no silêncio e sombras na escuridão, a luz não me aquecia e feria-me os olhos.

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