quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Chá da meia-noite

Ontem antes de adormecer lembrei-me do meu quarto de criança. Quando um árabe de turbante entrava de um salto para o fundo da cama. E desaparecia logo, assustado com o meu gesto repentino de puxar a roupa e tapar a cara. Surpreendia-me porque o primeiro que via era o turbante. Passado o susto esperava que voltasse. Mas não voltava. Acho que era eu que o assustava.
Outras noites passava pelo meu quarto um casal de mendigos. Com eles nao me assustava. Os passos arrastados anunciavam a chegada. Entravam pela janela. Não eram tão temerosos como o árabe. Apesar do aspecto, chapéus sujos e luvas esfarrapadas, nunca tive medo. Por morar perto de Santa Apolónia soube desde cedo que os mendigos eram inofensivos, embora peculiares: falavam sozinhos, carregavam volumes e gesticulavam para o ar. Eles também se comportavam de maneira similar. Conversavam e riam enquanto bebiam chávenas de chá. Comportavam-se como se não existisse mais nada nem ningúem para além deles e dos assuntos que os animavam. Como se eu não estivesse ali deitado a ouvir a conversa.