sexta-feira, 5 de junho de 2009

Farinha

Se fosse um artista conceptual, uma espécie de Miranda July mas de coração menos puro e com barba recortada, realizaria, sem recurso a subsídio, a seguinte instalação: um saco de farinha em cima de uma palete de madeira. A obra seria depositada no centro de uma sala e ficaria iluminada por diversos projectores de luz amarela. Eu daria o exemplo. Olhava, observava, reflectia. O saco de serapilheira, cheio de farinha chegada de uma fábrica, ainda com porções pegadas a humidade, com borbotões e gorgulhos, farinha a precisar de passador, farinha mais fina, como areia da praia, ou farinha mais grossa, como areia das obras. Um pesado saco de farinha que os carregadores tivessem dificuldade em puxar para o ombro. Uma «estética» que alertasse para o saco, metáfora da terra, e para a farinha, metáfora das pessoas. A farinha do mesmo saco. E no entanto, esta «performance» saco de farinha-público estaria verdadeiramente fora do mundo (mesmo pateta, como boa agitação cultural), porque ignorava a constante separação entre o trigo e o joio; um exercício muito primordial, onde a possibilidade de aportar mais uma sementinha – «ao nosso lado» – só acaba connosco.

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