sexta-feira, 5 de junho de 2009

Correntes de ar

Regressei de comboio. A reserva do lugar correspondeu a uma secção da carruagem que estava separada da maioria dos outros lugares. Sentei-me junto à janela. Do outro lado estava uma rapariga, também junto à janela, a dormir de um modo pouco próprio para um transporte público.
Devia vir de Vigo. Era improvável estar já a dormir daquela maneira e haver entrado em Vilagarcia de Arousa. O sono era um tanto agitado, embora não roncasse, e a respiração demasiado sonora. Desdobrei o jornal e tentei ler para me afastar daquela imagem algo grotesca. No entanto, não consegui furtar-me a olhar algumas vezes para o lado e notar as mudanças no estado soporífero daquela «passageira». Constatei estar a dormir profundamente. Talvez a sonhar, longe. E mexia-se, ajeitava-se no assento sem que daí resultasse o mínimo indício de que pudesse despertar. Calçava umas sabrinas pretas e vestia umas meias também pretas, à prova de rasgões, que ajudavam a encher as pernas muito magras. O vestido, de que não me lembro a cor, resultava perfeito para lhe destapar as pernas quase por completo. O cabelo caía-lhe por sobre as costas. As pernas juntas. Com tanto mexer-se acabou por voltar-se para mim e a visão grotesca reforçou-se. Confirmei a boca entreaberta e a respiração ruidosa. Continuava a não mostrar o mais pequeno sinal de acordar. Ao voltar-se enterrou-se no assento, até um ângulo quase erótico, e separou as pernas. Desordenou os pés como se fosse uma ginasta em exercícios de flexibilidade. A pose aligeirava-se. Parecia que alguém dava pinceladas, com uma crescente preocupação com a beleza do quadro, cada vez que ela se mexia. O corpo da rapariga tremia consoante o avanço do comboio. Virei a cara para a janela e só via noite escura. Se me focasse no vidro encontrava o reflexo da rapariga. Puxei o casaco que estava por cima de mim, preso pela etiqueta, e coloquei-o no colo. Desapertei os botões das calças e arrumei-me no banco virando-me para a bela adormecida que, por sua vez, estava já totalmente girada para mim.
Não consegui concentrar-me num só ponto do seu corpo. Corri-o de alto a baixo enquanto a minha mão direita se movimentava debaixo do casaco.


Depois, até ao destino, continuei a ler o artigo que comentava as relações entre a fé e a neurologia, com entrevistas a vários cientistas. Intitulava-se «Deus mora no cérebro». Acordei-a com um abanão no ombro e avisei-a do término da viagem. Ela sentou-se direita, sem me responder ou sequer olhar para mim. Já na gare atrasei o passo e vi-a ultrapassar-me em direcção ao átrio central da estação. Cruzei a porta lateral e, como sempre, procurei as correntes de ar para que o sopro nas regiões inferiores secasse mais depressa as calças.

2 comentários:

  1. WOW! Quem diria???
    A primeira coisa que a minha mãe me ensinou foi a não brincar em transportes públicos, nem com a comida. ^^

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  2. ohhhh tão queridoooo

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