segunda-feira, 15 de junho de 2009

A descida permanente

Se fosse um jogador de futebol teria muito gosto em baixar todos os anos de escalão. Outrora disciplinado, chegaria a altura em que já não suportava o interesse com o resultado. Não por perder qualidades, propriamente, ou ter um gosto especial em ser derrotado. Muito menos por altruísmo ou desinteresse. A partir de determinado momento da partida, sem que importasse a minha prestação, deixava-me contagiar e maravilhar pelo jogo do adversário. Admirar-me com a presunção do toque. Ficar-me nas simulações. Fingir embaraço com as «cuecas». Correr o justo para que a minha oposição assistisse e elevasse a vantagem do meu contrário. Expunha a táctica de modo a poder ser desmontada pelo meu querido rival. Empregava o esforço em deixar sobressair a vontade do opositor. E perdia mesmo. Cada final de temporada descia de divisão. Desclassificava-me continuamente. Todos os anos descia de divisão, grau a grau, cada vez mais baixo, abordando adversários toscos, campos modestos, de pequena dimensão, com relvados incipientes. E depois em campos pelados, propensos à lama no Inverno. Com balneários a balde de água fria e ralos entupidos. Uma descida permanente às regiões inferiores. Chegaria o dia do último jogo da derradeira categoria. Todas as presenças aos desafios haviam sido cumpridas. Ainda que continuasse com a minha capacidade de admiração intacta, perdia até ao desaparecimento, ao eclipse.

Sem comentários:

Enviar um comentário