sábado, 20 de junho de 2009

Casanova

Durante algum tempo mantive contacto com um «Casanova». Inspirava-se no antigo «poeta». Embora com as actualizações contemporâneas que o faziam menos novelesco. Não aspirava sequer a um jogador, posto não arriscar nada. A sua vida era totalmente terrena. Sentia-se nativo em qualquer parte. Mas visto de fora fazia lembrar um pária. Para que fiquem claras as minhas intenções, nunca desejei deitar-me com ele.
Começou pelo princípio e pela proximidade. Pelas muito jovens. Meia dúzia de palavras diferentes bastavam para captar a atenção. Juntava algumas alusões que, embora apresentadas com gala, na verdade não o afectavam mais que o ricochete no ouvido. Usava-as como um sedutor bronzeado de verão. Às muito jovens apelidava-as de «bicicletas de manutenção», dizia-me, mas também, suspeitava eu que conheci algumas, porque eram «estáticas», ainda muito ausentes de vida, embora coleccionadoras de todas as representações urbanas. «Casanova» amadurecia, ou acumulava experiência, e aumentava as possibilidades. Aproveitava-se dos conhecimentos superficiais para diminuir os «problemas de consciência» – que me comentava entre risos, às vezes forçados. O seu sentido de oportunidade parecia-me, a mim que tenho alguma dificuldade em acertar o tom, realmente invejável, mesmo que para isso usasse o exagero, como se estivesse realmente a discursar para alguém importante que, por imprevisto de última hora, não estava presente. Não alternava entre a má disposição e a boa disposição. Estava sempre bem disposto. E dentro desse mesmo pólo emocional, incrivelmente, conseguia fazer variar o nível de bom humor. O facto de não se engasgar transmitia uma ilusão de verdade que nunca questionei. Aquele temperamento era inato. A vida não lhe havia ensinado nada. Tomava como dever moral enganar quem pedia ser enganado. Preferia lidar com os vaidosos, pela facilidade com que lhes percebia os pontos fracos.

Começou a particularizar e divertia-se com os «atractivos antropológicos» que encontrava numa ou noutra figura, contando-me histórias sem palco, que se passavam entre poucas paredes, mas que nos dedicávamos a explorar mais do que a boa educação aconselharia. Gabava-se cada vez que conseguia vergar uma daquelas mulheres que julgam que o ponto mais distante da sua evolução reside no desprezo pelo homem.

Chegou o dia que falhou. Algum do seu sucesso passava também pela boa forma que mantinha. Prolongada na imaginação e na intenção de criar uma memória física e emocional para cada caso. Queria manter várias portas abertas, para poder ter a liberdade de escolher consoante o capricho do momento. Outras vezes falharam. Culpou a crescente desordem emocional fomentada pelo seu «amor insubordinado». Aceitei acompanhá-lo às putas. Foi a última vez que estive com ele. Tentava-se que recuperasse alguns dos atributos selvagens que progressivamente haviam sido substituídos por uma sensibilidade peculiar, decorrente dos sucessivos envolvimentos.

A dona da casa chamou-me ao quarto. Encontrei-o tombado e a choramingar no colo de uma mulher de pernas cheias; fornecia-lhe, com gestos que ilustravam o quanto aquela cena não fazia parte da sua faina, os mesmos lenços que serviam para os homens vigorosos se limparem depois de terem cumprido a função que a ele era agora negada. Talvez o tempo folgazão se tivesse esgotado, como na combustão instantânea de um fósforo, e agora só lhe restasse viver às apalpadelas; a tropeçar e a coleccionar nódoas negras.

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