segunda-feira, 18 de maio de 2009

Mario Benedetti

Morreu Mario Benedetti. Era outro dos poucos escritores ainda vivos que gostava. Juan Cruz escreveu para o El País um obituário irrepreensível sobre o escritor e poeta uruguaio. Benedetti foi um resistente e um «defensor acérrimo da alegria». Perante Benedetti será preciso alguém ser um sem vergonha para continuar com os discursos sobre a desistência? Não. Basta só ser um cobarde e continuar a aperfeiçoar o cinismo. É, aliás, muito parcelar que a crítica portuguesa tenha em excessiva conta os escritores de expressão inglesa. Só em 2007 aparece um livro do autor traduzido para português. A excelente Cavalo de Ferro editou A Trégua que comprei na feira do livro de Lisboa de há dois anos. Seria lamentável que não existisse uma única obra do autor traduzida. Hoje Benedetti volta para a minha mesa-de-cabeceira.

"Domingo 2 de Junho


O tempo foge. Às vezes, penso que deveria viver apressadamente, tirar o máximo partido destes anos que restam. Hoje em dia, qualquer pessoa me pode dizer, depois de esquadrinhar as minhas rugas: «Mas se o senhor ainda é um homem novo». Ainda. Quantos anos me restam «ainda»? Penso nisso e fico com pressa, tenho a angustiante sensação de que a vida me está a escapar, como se as minhas veias se tivessem aberto e eu não pudesse deter o meu sangue. Porque a vida é feita de muitas coisas (trabalho, dinheiro, sorte, amizade, saúde, complicações) mas ninguém me pode negar que quando pensamos nessa palavra, Vida, quando dizemos, por exemplo, «que nos agarramos à vida», a estamos a assimilar a outra palavra mais concreta, mais atraente, seguramente mais importante: estamos a assimilá-la ao Prazer. Penso no prazer (qualquer forma de prazer) e tenho a certeza de que isso é a vida. Daí a pressa, a trágica pressa destes cinquenta anos que me pisam os calcanhares. Ainda me restam, assim o espero, uns quantos anos de amizade, de saúde aceitável, de azáfamas rotineiras, de expectativa perante a sorte, mas quantos anos de prazer me restam? Tinha vinte anos e era jovem; tinha trinta anos e era jovem; tinha quarenta anos e era jovem. Agora tenho cinquenta e sou «ainda jovem». «Ainda» quer dizer: está a acabar. E esse é o lado mais absurdo do nosso convénio: dissemos que faríamos as coisas com calma, que deixaríamos correr o tempo, que depois reveríamos a situação. Mas o tempo corre, deixemo-lo ou não, o tempo corre e, a ela, torna-a cada dia mais apetecível, mais madura, mais fresca, mais mulher, e, em contrapartida, a mim, todos os dias me ameaça tornar-me mais achacado, mais gasto, menos corajoso, menos vital. Temos de nos apressar para o encontro porque no nosso caso o futuro é um inevitável desencontro. Todos os Mais dela encontram correspondentes Menos meus."

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