terça-feira, 21 de abril de 2009

Viagem a Herisau

Não quero ser injusto mas não me importo de exagerar. Na revista Quimera do mês passado um crítico levou o «Dietario Voluble» de Vila-Matas ao quirófano. Bateu muito no meu segundo escritor preferido. Não me doeu nada. Entre outras coisas e falando, a mau pretexto, no «Doctor Pasavento» disse que o Vila-Matas era um superficial (lol) porque construiu parte da narrativa através de uma viajem de Andrés Pasavento, «doutor em psiquiatria», a Herisau, Suiça, onde ficava o sanatório do meu escritor favorito, Robert Walser. Vila-Matas lia Walser de um modo, digamos, pouco profundo e a sua curiosidade passava sobretudo por pisar o sítio onde Walser terá caído morto, num dos seus passeios. O golpe é baixo porque induz facilmente em erro. Já se vê que o dito crítico prefere fazer uma leitura condescendente de Walser, como muitas vezes pode ser a tentação das pessoas estabelecidas e organizadas, ou das que o não o tendo atingido, o ambicionam muito. Mas Pasavento queria respirar o mesmo ar. Vila-Matas voltaria à tumba só para estar «mais perto» de Walser, que o conhece mais que ninguém. É uma boa ideia, para incluír numa história que tem muitas outras ideias. Essa merda, até lhe podemos chamar «viajem sentimental» para ajudar o crítico, apesar de pouco ilustrada, também é conhecimento. E além disso ainda acrescenta a dedicação, o amor. Ser profundo é ter a merda da distância condescendente que vai tomar Walser como uma «experiência». O mau aluno, o inadaptado, o maravilhado, «o louco». Ter que ler Walser através do som de fundo edificante à viva força. Temê-lo e esquecê-lo, deve ser isso a tal necessidade profunda de que se fala. Ler uma merda, considerar duas ou três coisas acerca e esquecer. Ler outra merda mais duas ou três considerações e esquecer. E assim sucessivamente até ao paroxismo da insensibilidade tão calminha.

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