sexta-feira, 24 de abril de 2009

Lisboa, uma proposta agora a sério

Ciclicamente, ou com eleições no horizonte ou por embasbacamento com experiências plasmadas de outras cidades europeias que «têem tudo a ver», aparecem textos com «ideias» para Lisboa que, invariavelmente, versam sobre a mobilidade. O último texto que li foi o de Pedro Magalhães. O texto mereceu algumas referências positivas na blogosfera e, para não fugir à regra, só incidiu na mobilidade.

Falando de intervenção local começa-se com uma naturalidade - que para mim é surpreendente -imediatamente a falar de mobilidade, transportes e portagens. Actualmente a mobilidade em Lisboa é um problema menor. A rede de transportes é muito aceitável. É preciso desfazer o mito. Isso não significa que esteja tudo feito. Sobretudo ao nível da conjugação dos vários meios de transporte pode sempre ser feito mais. Residindo ou não em Lisboa existe uma boa rede para chegar a qualquer ponto da cidade sem ter que usar o carro. Existirão exemplos pontuais que fogem à regra mas que provavelmente se prendem sobretudo com falta de coordenação intermunicipal ou de «roda livre» das empresas que prestam os serviços. Isto significa que a esmagadora maioria das pessoas que usam o carro nas suas deslocações o fazem porque querem. Neste ponto concordo com o Pedro Magalhães.

Mas agora entra o deslumbramento com a experiência de Londres e de Estocolmo: a introdução de portagens que «normalizam» o acesso ao centro. As duas pontes sobre o Tejo têm portagem. A A1, a A5, a A8 e a CREL têm portagem. Falta o IC19, a Marginal, a Calçada de Carriche e o IC2. Eram estas vias que se queria portajar? Parece-me de bom senso saber que é impraticável. Ou talvez, é essa a ideia, criar uma espécie de bunker já dentro da cidade e formar um anel com «entradas controladas» que protegesse o centro. Nada disto tem a ver com mobilidade, é escusado mascará-lo com preocupações com o tráfego ou dizer que o centro de Lisboa está congestionado. Eu vou da Avenida da Républica ao Terreiro do Paço (via Marquês de Pombal e Rossio) sem dificuldade. Exacto. A preocupação é obviamente a qualidade de vida. Poder desfrutar do centro sem o inconveniente do transporte particular: menos ruído, menos poluição, mais segurança. Perfeito. Proteger a cidade dos não residentes uma vez que os residentes teriam direito a um desconto de 90%(!) para se mover no centro da cidade. Já estamos no domínio da esperteza saloia.

Durante anos Lisboa não se preocupou de um modo sério com uma política capaz de inverter a tendência de desertificação das zonas nobres ou mesmo com uma reabilitação capaz, salubre e segura dos bairros históricos, uma reabilitação que não se limitasse ao embonecamento das fachadas. O trabalho que tinha que ser feito para pôr na ordem a circulação nos bairros históricos, depois de alguma confusão inicial, já está feito. E é aqui, finalmente, que quero chegar. O principal problema de Lisboa não é a mobilidade. É a habitação. Muitos dos que entram em Lisboa todos os dias «de outros concelhos» são também lisboetas que não encontraram outra solução se não buscar a vida num apartamento fora de Lisboa.
E esta é a minha contra-proposta.

A Câmara de Lisboa tem o dever de ter uma política da habitação para a cidade, um sistema de arrendamento jovem que seja mesmo uma solução. O arrendamento jovem faz todo o sentido em Lisboa. A sua implementação não é urgente a nível nacional, é bastante mais interessante ter casa própria em Castelo Branco do que arrendar. Mas em Lisboa se queremos tanto ter uma cidade moderna e diversa - e quero - convinha existirem casas para arrendar e incentivos que funcionassem. O Pedro Magalhães que sabe tanto - e sabe - esquece os exemplos do arrendamento por essa Europa fora e de como estamos também nessa «matéria» na cola da UE. Pensar também nos inúmeros idosos que vivem em casas com poucas condições e quase na condição de reclusos. Essa deve ser a preocupação. O voto tem que ser no sentido do candidato que apresente propostas sistemáticas para a habitação. As portagens são uma ideia rápida, claro, exportável e não é preciso ser um génio para perceber que tem um efeito bastante mais instantâneo. Por isso o voto não pode ser no hipotético candidato que apresentar propostas de solução rápida para um falso problema. Apesar de não ter efeitos imediatos o «repovoamento» como dinamizador da vida em Lisboa, também para revitalizar o comércio, parece-me bastante mais urgente – e democrático – muito antes de pensar em transformar o centro de Lisboa num condomínio semi-privado para meia dúzia de privilegiados, depois de crescerem em Vila Franca de Xira, usufruírem «sem stress».

[Declaração de intenções: vivi 26 anos em Lisboa. 22 anos em Alfama e 4 anos nas Olaias. Em Alfama, aquando do Santo António, se calhava estar em Lisboa, deitava-me com os lençóis a cheirarem a sardinha. Agora vivo a 600 quilómetros de Lisboa que, para bem ou para o mal, será sempre a «minha cidade».]

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