Ao
intervalo fui apanhar ar. Do lado esquerdo da rua aproximava-se uma
rapariga que caminhava cambaleando. Trazia um casaco vermelho que
contrastava de modo provocador com os cabelos loiros que lhe caíam
sobre os ombros. Um carro acelerou na sua direcção e ela
aproximou-se dos carros estacionados na berma. Parou junto a um dos
carros e viu-se ao espelho retrovisor. Passou a mão pelo cabelo. Os
fios de cabelo que lhe tocavam os ombros estavam oleosos e colavam-se
uns aos outros, como uma mão cheia de palha húmida atada com um
cordel. Quando reiniciou a caminhada os passos pareciam ainda mais
inseguros. Acenou a um táxi que não se deteve e passou à minha
frente sem notar a minha presença. Podia chamá-la pelo nome mas
preferi voltar ao meu lugar ao balcão. Sabia que ela chegaria à
porta do prédio e se sentaria à minha espera no banco que havia em
frente.
Todas
as semanas voltava com uma garrafa de espumante. Pedia-me que a
abrisse. Declinava esse pequeno gesto de celebração. A rolha
saltava. Parecia expulsa com o impulso quebrado de todo o vácuo
acumulado na minha sala. De semanas anteriores, acumulavam-se algumas
rolhas no chão. Ela notava o meu desleixo mas era-lhe indiferente.
Deixava-lhe o primeiro trago. Molhava os lábios, que ficavam
brilhantes, e passava-me a garrafa. Perguntava-lhe que tal as coisas
e dava sempre a mesma resposta: começaria com aulas de inglês e
estava a ponto de inscrever-se num curso para hospedeiras de bordo.
Sempre a mesma resposta. Ela de pé e eu sentado no sofá verde.
Dizia-lhe que estava cansado e olhava pela janela aberta. Não havia
nenhum ponto de interesse que me fixasse a atenção. Um carro
buzinava. Grande parte dos vizinhos despachava o problema de
estacionamento deixando o carro em segunda fila. Ali os carros
buzinavam sempre. Acordava de noite com os carros a buzinarem.
Algumas vezes não conseguia voltar a conciliar o sono e dava voltas
na cama até o despertador tocar. Não me importava. Não adormecia e
não chegava tarde ao trabalho. Acumulava poupanças para umas férias
em Cadaqués. Alugaria um quarto numa rua que não tivesse mais de 6
metros de largura e enquanto ela me beijava o pescoço imaginava-me
em Cadaqués; imaginava a sua saliva como a água morna do
mediterrâneo.
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