Apaixonou-se pela integrante de uma seita
religiosa; dissidente dos Protestantes e originária dos Estados Unidos mas com
seguidores um pouco por toda a Europa. Estava internado num hospital. Na cama ao
lado estava um seguidor da seita, tão moribundo quanto convencido da vida
eterna que o esperava. Um grupo reformista que estudava a Bíblia, ano após ano,
desde o Génesis ao Apocalipse. Todos os ofícios tinham por base a leitura e o
comentário da Bíblia como texto fundador. Ela veio um dia de semana à tarde, já
depois do horário normal da visita. Deve ter convencido as enfermeiras da
bondade e necessidade da sua presença consoladora. Dar ânimo ao moribundo.
Ajeitou a roupa da cama. Comentou algo relacionado com a luz que entrava pela
janela. Não tinha outra ambição para além da vida eterna num vindouro paraíso
celestial. Notava-se no modo como tocava nas coisas. Notava-se-lhe nas mãos.
Colocava um extremo cuidado no modo como tocava. Como se a sua carícia
cicatrizasse. O seu objectivo era passar com distinção no dia do julgamento
final. E o moribundo, como seria de esperar, morreu ao seu lado. Não sem antes
o ter visitado umas quantas vezes mais. Isso deu-lhe a oportunidade para
conhecê-la. Trabalhava num escritório de transitários que estava à beira da
falência. Nos tempos mortos lia os versículos do novo testamento com a concentração
com que as crianças vêem pela primeira vez no circo o domador enfiar a cabeça
na boca do leão. Uma pessoa com o seu temperamento, niilista, anárquico, seria
decerto a última pessoa do mundo a quem ela chegaria a dar atenção.
(...)
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