domingo, 24 de junho de 2012

Cadaqués

Ao intervalo fui apanhar ar. Do lado esquerdo da rua aproximava-se uma rapariga que caminhava cambaleando. Trazia um casaco vermelho que contrastava de modo provocador com os cabelos loiros que lhe caíam sobre os ombros. Um carro acelerou na sua direcção e ela aproximou-se dos carros estacionados na berma. Parou junto a um dos carros e viu-se ao espelho retrovisor. Passou a mão pelo cabelo. Os fios de cabelo que lhe tocavam os ombros estavam oleosos e colavam-se uns aos outros, como uma mão cheia de palha húmida atada com um cordel. Quando reiniciou a caminhada os passos pareciam ainda mais inseguros. Acenou a um táxi que não se deteve e passou à minha frente sem notar a minha presença. Podia chamá-la pelo nome mas preferi voltar ao meu lugar ao balcão. Sabia que ela chegaria à porta do prédio e se sentaria à minha espera no banco que havia em frente.

Todas as semanas voltava com uma garrafa de espumante. Pedia-me que a abrisse. Declinava esse pequeno gesto de celebração. A rolha saltava. Parecia expulsa com o impulso quebrado de todo o vácuo acumulado na minha sala. De semanas anteriores, acumulavam-se algumas rolhas no chão. Ela notava o meu desleixo mas era-lhe indiferente. Deixava-lhe o primeiro trago. Molhava os lábios, que ficavam brilhantes, e passava-me a garrafa. Perguntava-lhe que tal as coisas e dava sempre a mesma resposta: começaria com aulas de inglês e estava a ponto de inscrever-se num curso para hospedeiras de bordo. Sempre a mesma resposta. Ela de pé e eu sentado no sofá verde. Dizia-lhe que estava cansado e olhava pela janela aberta. Não havia nenhum ponto de interesse que me fixasse a atenção. Um carro buzinava. Grande parte dos vizinhos despachava o problema de estacionamento deixando o carro em segunda fila. Ali os carros buzinavam sempre. Acordava de noite com os carros a buzinarem. Algumas vezes não conseguia voltar a conciliar o sono e dava voltas na cama até o despertador tocar. Não me importava. Não adormecia e não chegava tarde ao trabalho. Acumulava poupanças para umas férias em Cadaqués. Alugaria um quarto numa rua que não tivesse mais de 6 metros de largura e enquanto ela me beijava o pescoço imaginava-me em Cadaqués; imaginava a sua saliva como a água morna do mediterrâneo.

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