quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A cozinheira

Ao Domingo uma das cozinheiras saía antes. Estavam duas cozinheiras mas ao domingo, a partir do final da tarde, só fazia falta uma. Uma das cozinheiras, a mais antiga, saía mais cedo ao domingo. O marido vinha buscá-la acompanhado pelos dois filhos, um ainda pequeno e o outro já adolescente. Ela sabia que o marido chegava pontual e por isso terminava um pouco antes das 18h porque gostava de sentar-se ao balcão e observar os clientes nas mesas. Era a única maneira de poder desfrutar de um sítio daqueles. De outro modo não teria possibilidade, porque tinha pouco dinheiro e porque sabia que não pertencia àquele meio. Um bairro de gente influente. Os filhos dos amigos tinham sempre um lugar garantido. Assim pensava. Duvidava que o mérito ou o estudo pudessem alterar o estatuto de quem tem uma origem remediada, ou é de outro país ou não é muito bonito; casos onde é crucial uma auto-promoção árdua, constante e esgotante. Ou ter um temperamento serviçal, o mais serviçal possível. Ainda assim a cidade era cada vez menos exclusiva. Embora isso proporcionasse que a estupidez se disseminasse com a rapidez com que voam as andorinhas num céu primaveril. Mas as andorinhas mudam de direcção várias vezes, voos ziguezagueantes, o contrário absoluto do entorpecimento.

O marido da cozinheira chegava e estacionava do outro lado da rua. Invariavelmente, o filho mais pequeno saía primeiro do carro. Corria até ao abraço da mãe e pedia um sumo de laranja. E o miúdo esperava, tentando espreitar por cima do balcão. Depois aparecia o pai e o filho mais velho. Pediam uma cerveja. A mulher pedia uma segunda cerveja. E conversavam. A cozinheira era boliviana. Tinha sorte em ter aquele trabalho e gozar da família unida. Os seus três homens. No seu local de trabalho. Depois de ter cumprido as horas estabelecidas. O patrão oferecia-lhes o lanche. Passava os olhos pelos clientes nas mesas. Eram-lhe indiferentes. Não os invejava. Comiam as tostas que ela preparava, um fino bife de vaca, bacon, queijo de cabra e cebola caramelizada. Não era um lanche assim tão exclusivo. E ela podia proporcionar ao filho mais novo vitamina C sob a forma de sumo natural. Não tinha porque se preocupar enquanto tivesse duas mãos e conseguisse dominar o engenho de não só ser séria como também parecer. Várias vezes observava os clientes nas mesas. Gente teatral no sentido depreciativo do termo. E também ela saberia, sem dúvida, convencer quem se lhe pusesse diante, caso perdesse o trabalho e tivesse que voltar à roleta russa das entrevistas de emprego.

Sem comentários:

Enviar um comentário