domingo, 11 de dezembro de 2011

Destroços

Andava pela casa e sentia o odor a humidade que evaporava dos boxeurs enquanto secavam em cima dos aquecedores. Ela acabava de partir com todas as suas coisas. Dormiam em quartos separados há já alguns meses. Praticamente não se falavam. A sua saúde mental tinha-se deteriorado bastante nos últimos meses. Nas últimas semanas começou a acumular objectos. Não deitava nada fora. E não se preocupava com a limpeza do seu quarto do qual saía um cheiro violento a perfume misturada com tabaco. E a roupa usada. E a sexo molhado. O quarto cheirava a inferno.

Vestia um casaco vermelho que contrastava de modo provocador com os cabelos loiros que lhe caíam por sobre os ombros. Ela saiu e pela última vez olhou-lhe para o rabo. Curvilíneo. Não voltaria nunca mais a tocá-lo. Depois foi buscar sacos pretos para o lixo. Ela partira e só havia deixado lixo. Recolheu um sem fim de objectos: frascos, velas, toda a classe de maquilhagem, dezenas de beatas de cigarro, caixas de tabaco vazias, cinzeiros, um jogo de cartas, um sapato preto, etiquetas de roupa, várias moedas de cinco e dez cêntimos, recibos de compra, cinzeiros, chávenas, copos, pincéis, colares, um vestido preto rasgado nas costas, umas asas negras, uma peruca, tintas, colares, brincos, meias, cuecas, sacos, garrafas de vinho, uma garrafa de vodka, uma pintura: um ramo de árvore com um pássaro pousado. O pássaro parecia-lhe um corvo. Desfez-se de toda a roupa da cama, incluindo a almofada. Varreu e esfregou o chão com toda a energia que possuía. Mudou a água do balde 3 vezes.

Quando acabou aproximou-se da varanda e sentiu o cheiro da noite. Haviam muitas mulheres no mundo e algumas, ainda que fossem irresistíveis, havia que sacá-las o mais rápido possível das imediações. Ao longe, no topo de um dos edifícios, um placard publicitário acendia e apagava. Estava frio mas decidiu deixar a janela toda a noite aberta. Demoraria dias a esquecer aquele cheiro intenso a destroço.

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