quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Uma liberdade aterradora

O tempo em que fui mais feliz foi quando tinha 5 ou 6 anos. Não por ser muito jovem ou ainda não ter entrado na escola. Por volta dessa idade não media um metro de altura e a proximidade do solo permitia-me sentir o cheiro da relva fresca. Agora o único que sinto é uma liberdade assustadora.

A actividade política quando é dirigida ao resultado a curto prazo tem os efeitos mais nefastos. Mas eu, na minha vida pessoal, enquanto indivíduo, acabei por lucrar com essa forma de fazer política. O ayuntamiento de Madrid através da consejeria de transportes adquiriu 30 novas composições que não têm cabimento nas actuais linhas da rede de metropolitano. Estes comboios, dotados dos sistemas mais modernos de navegação, permitem, por exemplo, conseguir o máximo de composições numa mesma linha. O sistema estabelece distâncias mínimas de grande comodidade para os clientes que, nas horas de maior trânsito, podem contar com intervalos de espera de menos de 3 minutos. Mas estas composições simplesmente não fazem falta. O desacerto das previsões foi total.

Tenho 51 anos. Há três anos que trabalho de noite, à hora em que o metro está encerrado ao público. Conduzo durante 3 horas composições novinhas em folha. De madrugada, conduzo comboios fantasma. Faço circular os vagões para evitar que o desuso cause um dano que geraria novos e avultados investimentos na reparação das máquinas paradas. No princípio ainda abrandava à chegada às estações; parecia-me infringir alguma regra se não o fizesse. Não tinha lógica nenhuma, não havia obviamente ninguém para entrar ou sair. Se abria as portas era por questões de conservação e na maioria das estações não havia sequer iluminação. Não tinha nenhuma ordem expressa sobre como conduzir; a velocidade ou a delonga estavam entregues à minha disposição do momento. O aborrecimento e a solidão faziam-me divagar enormemente aos comandos dos vagões vazios; e o pior era quando não me sentia Deus, quando me sentia um passageiro de um comboio louco e sem rumo, alheio ao fim da linha, à aproximação da estação terminal, quando devia travar, travar a fundo, ferro com ferro, estrépito agudo, sentimento de desespero, respiração suspensa, segundos intermináveis e, finalmente, a curiosidade sobre o que vem a seguir, quando não existe outro desfecho que não seja o perder para sempre as prestações relativas ao leasing de um trem fantasma; no instante em que Deus acordou do sonho e experienciou a realidade, a super realidade: ser um simples passageiro de uma vida absolutamente desgovernada.

2 comentários:

  1. Isto é tudo muito bom, obrigado. Só para avisar que isto é tudo muito bom. *vénia*

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  2. Fico contente, obrigado.

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