domingo, 25 de setembro de 2011

Os toldos verdes comidos pelo sol

Segui-lhe os passos durante várias semanas. Instalei-me no edifício em frente. Uma avenida larga, a maioria das janelas com varanda. Os típicos toldos verdes que vi em Badajoz quando pela primeira vez cruzei a fronteira. Os vizinhos, à noite, não tinham pejo em escancarar a janela. Já sabia a hora a que os semáforos estavam programados para passar a intermitentes. Todos os dias, com o atraso preciso de um minuto, às 21:31. Controlava grande parte da avenida. Os binóculos também serviam para me distrair com as raparigas que bamboleavam entre as folhas secas das árvores. Ao anoitecer, os grilos traziam-me recordações de infância, mas eu estava ali para trabalhar e não para dourar recordações ao som das asas dos grilos. Mantinha a luz da sala desligada. Um vizinho inglês começava a tocar trompete e as minhas dores de cabeça pioravam. Que pulmões. Os meus devem estar negros. Do tabaco e do ar viciado dos clubes de Badajoz.

O melhor deste trabalho, para além do dinheiro, é passar muito tempo sozinho. Concentrado no meu objectivo. Durante algumas semanas só tenho que conhecer as rotinas dos alvos e planear o momento em que os abato. Sozinho consigo pensar e não me infantilizo. A última vez foi realmente um bom negócio. Segui um homem durante várias semanas; não conhecia o porquê do ajuste de contas; rapidamente percebi que duas vezes por semana montava a cavalo numa escola nos arredores de Madrid, ao lado da autovia para Valência, onde os prédios acabam e o deserto começa. Na altura não sabia, mas Elena foi casada com o meu alvo. Tinha 36 anos e sentia como a vida voltava a ser espectacular e isso notava-se cada vez que se vestia ou passava o cartão de crédito no terminal multibanco. E entusiasmou-se tanto que me encomendou matar o ex-marido.

Durante vários anos fui pintor. Era um trabalho mais plano. Se as paredes estavam muito manchadas ou com humidade dava uma segunda demão. Os clientes ficavam contentes com o meu trabalho. Não me queria ir embora. Prolonguei ao máximo a estadia para passar todo o verão na cidade; havia gente nas esplanadas até às 2 da manhã. Desde que abandonei os rolos e os pincéis que as coisas se tornaram mais fáceis. O dinheiro é o mais potente mecanismo de diferenciação e eu tenho bom gosto, isso auxilia a que ninguém suspeite de alguma actividade menos corriqueira. O meu temperamento falaz já me trouxe dissabores mas desta vez também explica o meu êxito. No entanto, desconfio da facilidade e não consigo abandonar alguma apreensão. Não sou perfeito e algo me escapa, de certeza que algo já falhou e vai voltar a falhar. E para isso não estou preparado. Não estou pronto para a punição.

Sem comentários:

Enviar um comentário