Já não estamos naquele princípio. Adormeci instantaneamente e comecei a sonhar. Estava no Retaxo, um apeadeiro da linha da Beira Baixa, à espera do comboio. Um comboio democrático, que detém a marcha não só nas estações mas também nos apeadeiros. Que pára mesmo que não haja ninguém para subir ou baixar. Um comboio lento. Anterior à eficiência económica. Um comboio de sonho, portanto. O comboio chegou e trazia poucas carruagens para os passageiros que transportava. Havia muita gente de pé. Agarrados para não caírem. Talvez por transportar mais bagagem do que é habitual, não fui suficientemente rápido e vi toda a gente ultrapassar-me acotovelando-se para aceder ao interior da composição. Algumas portas não fechavam. Fui avançando na gare na vã tentativa de encontrar algum espaço vazio por onde me esgueirar. Pensei: vou ficar aqui, no Retaxo, e este sítio nem sequer hotel tem. Não podia perder o comboio.
E o comboio não partia, não sabia a razão, talvez por motivos de segurança: estava muita gente empoleirada nas portas. Ou talvez porque eu, no sonho, não podia perder aquele comboio. Se aquele comboio apitasse e se pusesse em marcha o meu sonho resultaria em pesadelo e depois acordaria suado e com dor de cabeça. Continuei a percorrer a gare, a arrastar a bagagem, até que encontrei uma carruagem vermelha semelhante a um Cadillac dos anos 60. Sentei-me num dos bancos – brancos – e acomodei a bagagem à minha volta. E foi isto. Hoje tive medo – um medo inexplicável – de ficar apeado. Finalmente encontrei lugar numa carruagem semi-descapotável, vermelha, ocupada por um bando de hippies que pareciam formar parte de um grupo de rock. E o comboio nunca chegou a partir, mas eu encontrava-me confortável e preparado para a qualquer momento ouvir a locomotiva apitar.
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