sábado, 4 de junho de 2011

Boiar

O momento mais descontraído da semana: fazer de morto no mar. Quando as pernas começavam a afundar e ficavam totalmente submergidas nadava e regressava à margem. Fazia de morto nas águas sem ondulação. Afastava-se o suficiente para deixar de ouvir o burburinho vindo da areia. Também boiava quando foi despertado por uma espécie de chamamento. As orelhas estavam tapadas. Ainda julgou que pudesse ser alguma ressonância chegada das correntes marinhas. A velocidade das águas uns metros abaixo era diferente da calmaria à superfície. Mas o barulho era humano, de voz bradada, chamavam-no da beira-mar. Nem a 50 metros de terra firme podia ter sossego.

Nadou e chegou junto a Simone. Ela disse-lhe que se secasse e que deviam voltar para casa. Secou-se com a toalha cheia de areia molhada, depois de pisada pelos pés dos filhos. Sacudiu a toalha, Simone já estava com o saco ao ombro. Havia pressa e, já dentro do carro, sentiu-se meio empanado. Simone esteve ao telefone todo o trajecto. Algo súbito se passara. Chegaram a casa e Simone deu algumas instruções relativas ao frigorífico e ao jantar; mas antes devia passar na bomba de gasolina e encher o depósito do carro, só para o caso. Os filhos deviam acompanhá-lo, melhor que deixá-los sozinhos. Podia comprar-lhes chocolates na loja da bomba de gasolina mas apenas uma barrita para cada um. E ela agora chamaria um táxi.

Depois do jantar ficou a ver os filhos deitados no sofá. Levantou-se e foi fechar a janela. Nas casas em frente ainda se viam algumas luzes acesas. Pegou no telemóvel e repassou todos os contactos. Deteve-se na letra S. À noite naquela zona residencial não se ouvia vivalma. Isso tranquilizava-o. Pensou que era bem possível ser ele o único em toda aquela estúpida urbanização a quem as insónias acudiam como um bálsamo. Sentou-se no chão, agarrado aos joelhos e com o telemóvel ao lado. Na pequena pantalha ainda piscava a letra S. Ouviu um ruído de motor. Passos apressados. Chave, fechadura, levantou-se de repente, a porta: Não foi nada, ainda estás acordado? Estou morta de sono.

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