terça-feira, 24 de maio de 2011

Pensamento mágico

Pode parecer simples coincidência e portanto outro desatino da minha parte. Mas tenho a impressão que exerço alguma influência na periodicidade das marés. Não me estou a armar. Não estou com a Lua. Não digo que domino todas as tabelas de todas as marés de qualquer ponto do globo. Não é isso. Simplesmente exerço alguma atracção sobre a ria de A Coruña, que se encontra praticamente à porta de casa. É certo que saio cada vez menos, mas cada vez que o faço a maré apenas sobe em lugares onde não estou.

Cruzava a Ponte Pasaxe e se estava maré alta ficava contrariado com mais um dia esbanjado. Água por todos os lados, uma enorme monotonia. Havia dias em que a quantidade de água parecia predizer algum tumulto iminente. Tantas vezes desejei a tranquilidade das águas paradas, e tantas vezes o pensei que a minha vontade se concretizou, o mar antecipa agora as minhas intenções e reage com sequia.

Quando comecei a notar a maré sempre baixa, atingia-me uma felicidade parecida àquela que sentia quando em criança chegava à praia e via a bandeira verde. Agora, a felicidade momentânea evolui para bem-estar prolongado. Sinto-me bem. Saio de casa e sei com o que conto. Várias ilhotas e penínsulas, línguas de areia bem delimitadas. Um bando de pássaros repousa numa. As aves debicam na areia. Voam e voltam. Os barcos parecem menos abandonados e aproximam-se das margens, o seu acesso fica facilitado. Como num jogo de espelhismos, as cores diversificam-se e tornam-se suaves, umas confundem-se com as outras. As margens da ria agradecem companhia. O peso das águas desapareceu. O lodo que existe fica à vista; sabemos precisamente onde fazer dragagens. Liberdade para desfrutar. Há que hastear por aí alguma bandeira verde. Como diria Nietzsche, e mesmo que o tentemos, será impossível enturvar as águas para que pareçam profundas. Vê-se o fundo, transparente, passam em ziguezagues um peixe ou dois, demorando o olhar até vemos um cardume praticamente à tona.

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