sexta-feira, 27 de maio de 2011

Frente de libertação

A monotonia quebrava-se quando passava um táxi com o motorista amodorrado ao volante. Os mais desgraçados aninhavam-se sob as arcadas. A noite não tinha cheiro, estava lua cheia e a brisa soprada do deserto levantava pó. Os cabecilhas da rebelião estavam reunidos há várias horas. Influenciavam o decorrer daquela noite de uma forma, esperavam, irreversível. Não havia nada mais a discutir ou a debater. O plano de investida estava traçado. Esperavam a chegada da hora em que todos os homens envolvidos na rebelião, soldados, polícias, comerciantes, mercenários, estudantes, idealistas, canalhas, sobreviventes, se levantariam ao mesmo tempo dos vários pontos onde estavam congregados para a investida final. A primeira e a última. Não havia margem para correcções. Cheirava a sangue. Muitos não gozariam os resultados da própria coragem. Só os envolvidos no ataque estavam ao corrente dos planos. Prescindiram dos beijos de despedida.

Existiam alguns infiltrados, sobretudo na guarda do país e em alguns lugares de destaque na pirâmide do poder. Traidores profissionais, especialistas em dissimulação, demagogos natos, esses actuariam naquela noite desde o centro mesmo da liderança que estava a ponto de ser atacada. As ordens eram claras: atirar a matar, sobretudo no que se referia aos serviços de segurança que vigiavam a residência onde estava o presidente do país e que nessa noite seria o fulcro do ataque. As revoltas pacíficas, maioritariamente constituídas por jovens, poderiam durar anos, quem sabe décadas, e o clã no poder aplacaria cada uma com a facilidade com que um elefante levantava a pata e fazia desaparecer uma formiga. Esquecidos pela comunidade internacional, havia que tomar armas.

O último contratempo foi enfrentado com grande capacidade de reorganização. Tiveram que alterar o campo de batalha da residência habitual do presidente, na capital do país, para uma cidade ao sul. E afinal o ajuste acabou por ser positivo. Apesar de tudo, no sul, o presidente e os seus cães encontravam-se mais desamparados. Os cabecilhas continuam sentados à volta da mesa sem fazerem previsões de qual seria o desfecho da noite mais longa. O silêncio dominava a sala. Apenas era interrompido por algum gracejo nervoso. A hora combinada aproximava-se. Um relógio apitou momentos antes da hora certa. O homem dos gracejos nervosos, um oficial de baixa patente, levantou-se com tal ímpeto que a cadeira caiu atrás dele. Permaneceu de pé e ninguém o seguiu. Viviam os derradeiros minutos de imobilidade; ainda podiam cerrar os olhos sem ter medo que uma bala certeira lhes irrompesse crânio dentro.

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