quarta-feira, 25 de maio de 2011

A conferência

De manhã entrei na faculdade e assisti a uma conferência sobre Friedrich Hölderlin, isto é, sobre o desaparecimento. Passei toda a noite no bairro mais típico da cidade, parei nos miradouros e aspirei o odor da flor de laranjeira, das laranjeiras raquíticas, como só podem ser as árvores isoladas, perdidas na cidade, não protegidas por canteiros. Pouco regadas e esquecidas pelos jardineiros municipais. A conferência acontecia numa faculdade de psicologia, um palácio de cristal nesse bairro antigo da cidade. A conferência anunciava-se como uma reflexão sobre as relações entre loucura e arte. Que são duas formas de ocultação, de pistas falsas e de encobrimento.  Por isso, para mim, a conferência tratava antes de mais do desaparecimento.

Estava de férias e voltava ao lugar onde cresci. Não que tivesse saudades, ou algum familiar ou conhecido que visitar. As caminhadas mais longas foram feitas em terras desconhecidas. Mas não foram as mais surpreendentes. Sentei-me numa das últimas filas e procurava sobretudo descansar. Tarde ou cedo tinha que empreender o regresso. Foi fácil restaurar forças ao som de palavras benévolas. Um dos intervenientes usou a expressão loucura pacífica nas várias vezes que se referiu a Hölderlin. Não pude deixar de recordar Walser. E lembrei-me do Discurso a um botão, o mais importante escrito contra o enfático - e o mais emocionante. Acabei por adormecer embalado por aquela pequena emoção causada pelo poeta dos poetas.

A assistência levantava-se e eu acordei com a agitação. A conferência finalizava. Desci as escadas do auditório e dirigi-me à saída do edifício. Atravessei a estrada e caminhei pelo passeio. Parei à porta de uma antiga taberna. A porta e todas as janelas estavam cobertas com papel de jornal. Numa das janelas, o jornal amarelecido pelo sol estava rasgado. A taberna estava totalmente devoluta. Sobravam umas estantes azuis e o balcão de mármore. Estava um homem no interior. Com os dois braços, horizontalmente dispostos, apoiados no balcão. Por aquela fresta que o jornal rasgado propiciou, encontrámos a mirada. Acenei-lhe com a cabeça e o taberneiro acenou-me com a mão. Parecíamos não ter nada que nos relacionasse e no entanto estávamos tão atados àquele lugar quanto os velhos que, mesmo cientificamente alertados para o perigo de uma catástrofe de dimensões incertas, rejeitam abandonar a casa onde cresceram, riram do infortúnio e foram felizes.

(Reescrito.)

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