domingo, 22 de maio de 2011

Carrossel

Foi o último a acordar. Todos tinham saído. A casa estava de pernas para o ar. Restos de uma noite cíclica: a coluna do mp3 tombada no sofá, roupa espalhada, sapatos e ténis pelos cantos, loiça suja, pacotes de snacks, latas de cerveja, garrafas, a televisão no mute. Desligou a televisão, recolheu o lixo para um saco e despiu a t-shirt. Saiu e deitou-se numa espreguiçadeira. O sol aquecia.

As nuvens brancas, empurradas pelo vento, tapavam e destapavam o sol. Cheirou o braço. Gostava do seu cheiro quando passava um dia sem tomar duche, um cheiro salgado, característico da sua pele, um odor nem azedo nem amargo. Um aroma que não identificava nem um homem nem uma mulher. Só uma pele enxuta, humana, cálida. Na noite anterior deitou-se quando já não se aguentava de pé. Adormeceu instantaneamente. Acordou por breves instantes quando Simone se deitou ao lado. Trocaram olhares durante todo o dia; de cada vez, ele mostrara-se imediatamente alheado. Perdia o chão quando Simone afagava o seu próprio tornozelo, ou gesto similar, quando se meneava enquanto discorria sobre os dias úteis, para ele perdidos. Uma parte do tempo entregue a acumular fraquezas, o tempo que sobrava discutiam-se as pequenas mazelas vividas: eis a síntese que fazia. Mas quando Simone se soltava, sangue dos pés à cabeça, imediatamente, escarnecia dos seus mais frequentes projectos de ruína: dormir em casas devolutas, viajar à boleia, aliviar-se nas esquinas da cidade. E sentia que esse era um momento verdadeiro, tal como quando aproximava o nariz do próprio braço e gostava do odor exalado. Olhava-a como a única responsável pela possibilidade de interrupção, sem fazer a menor ideia, estava unicamente entretida em que o calendário insignificante não parasse, em potência a mudança mesma e no entanto cada vez mais exímia em repetir circuitos no carrossel.

Uma nuvem tapava o sol e o ar tornou-se mais fresco. Estariam ainda demorados, perguntava-se, voltariam a tempo com o almoço; teria realmente que vestir-se e sair para comprar comida?

***

Ao som de Warpaint.

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