domingo, 28 de novembro de 2010

Sou soldado

Vou a meio de um conto de Amos Oz. A primeira informação dada acerca de um dos personagens é ser um «jovem soldado». Imediatamente, é um dado que me provoca algum desinteresse. Mas com o decorrer da história vai crescendo a minha simpatia para com o sobrinho da médica de Tel Illán. Um exemplo a propósito da infância: a tia não gostava do isolamento do sobrinho e comprou-lhe alguns brinquedos. Mas o miúdo brincou com eles pouco tempo. Voltou aos assuntos favoritos: duas chávenas, um cinzeiro, um jarro, elásticos e colheres de chá. Às vezes, atacadores de sapatos. Espalhava-os e voltava a arrumá-los segundo uma lógica de que não fazia parte a tia.
Precisamente pelo afecto que já tenho por Gideon Gat, levo todo o conto incomodado pelo facto do autor ter escolhido um soldado para apresentar. E só agora, quase no fim do conto, penso que em Israel o serviço militar é obrigatório. A recruta deve ser algo frequente e generalizado. Ou seja, pessoas de todas os perfis são obrigadas a passar pela instrução militar, não é uma escolha que vai fazer alguém com determinados traços de carácter, estimados por mim, talvez apressadamente, como mínimos em termos literários. Embora, como sempre alguém poderia dizer, não me tivesse feito mal nenhum a instrução militar. Sob o ponto de vista da obrigação, podia ter sido um soldado hebraico. Mas para além de outras, encontro uma primeira dificuldade. Não sei se em Israel a hierarquia militar possui o mesmo hábito institucionalizado de tratar as pessoas pelo apelido. Se fosse pelo nome próprio, soldado Samuel, estaria bem. Realmente de acordo com a onomástica histórica. Mas quando o apelido também é um nome: soldado Filipe, até a mim, soa-me a desdobramento de personalidade, mal-entendido, confusão, babel.

Amos Oz, Escenas de la vida rural. Siruela Col. Nuevos Tiempos, 2010.