sábado, 29 de agosto de 2009

Descascando a cebola (2)

É incrível a minha capacidade, quando sozinho em casa, para me distrair continuamente. Não há solidão. Modifico a altura dos estores consoante a altura do dia, oiço as mesmas 4 músicas vezes sem conta, tento perceber a cada hora que passa a que cheira a casa, desarrumo o menos possível, olho para o saco de lixo que nunca está suficientemente cheio, faço umas experiências com os electrodomésticos, lavo a loiça ao mesmo tempo que tento posicionar as pernas como se estivesse a ser fotografada para a Playboy, vou abrindo e lendo livros sem método e acho cada passagem melhor e mais genial que a anterior, vejo a série Padre Casares na TVG (só à segunda), faço jantares com comida colocada na mesa que depois parece um campo de obstáculos, tento não me masturbar para não perder a força (a solidão é passageira), dormito e lembro-me do Camilo José Cela que ao ser interpelado sobre estar «dormiendo» na câmara dos deputados respondeu que não, que estava apenas «dormido», e perante a insistência do interlocutor Dom Camilo teve que dar uma explicação final à luz da diferença entre estar «fodido» e estar «fodendo», por fim, chego sempre à conclusão que os meus pés são mais bonitos que os pés de muitas mulheres, e, claro, tento afastar-me do verniz; ligo o computador e leio uns jornais, vejo uns blogues, rio-me sozinho, estiro-me no sofá e lembro-me das últimas entrevistas que li, por exemplo Roberto Bolaño que à pergunta se gostava mais de cães ou de gatos, respondeu: de cadelas. Ou questionado sobre se alguma vez havia pensado no suicídio respondeu que sim, evidentemente: «en alguna ocasión sobreviví precisamente porque sabía cómo suicidarme si las cosas empeoraban».

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