terça-feira, 24 de janeiro de 2006

O Abel

Tem 95 anos e é o meu bisavô. Era um desfecho previsível: está no hospital. Felizmente não é nada disso. A ironia é simpática, tem uma infecção no dedo do pé. Rude, trabalhador, incapaz de alguma afectação de ordem moral ou intelectual, saiu da aldeia mas voltou sempre a casa, desconfiado, mau, honesto, a espaços com um enorme sentido de humor. Cedo percebeu que o diálogo com os homens servia os entendimentos fugazes ao balcão da taberna com cervejas à mistura e pouco mais. Não percebe o que é uma sociedade organizada, não é de agora, nunca percebeu, homem forte, auto-suficiente, sortudo. A velhice não o amoleceu, não o acabrunhou. Com a delicadeza da psicologia possível viu-se, sem perceber como, num lugar hostil, onde nunca esteve, um hospital distrital. Internado na enfermaria para observação, aproveitamento de uma oportunidade única, tiveram que o amarrar à cama, ou ninguém o segurava um minuto que fosse. Passa a madrugada toda a chamar de vacas para cima às enfermeiras e não deixa dormir ninguém. Não percebe outra coisa senão a liberdade, embora a entenda de um modo muito seu, que lhe reflecte a vida.

1 comentário:

  1. johnny handsome24/01/06, 09:56

    Para descanso das enfermeiras...Desejo umas rápidas melhoras ao Avô Abel ;-)

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