quarta-feira, 2 de julho de 2008

164: Beckett escrevia sobre Murphy uma coisa lindíssima que não esqueço: Murphy agia «como se fosse livre». Não é demasiado repeti-lo. Se Murphy agisse como se estivesse toldado não havia graça, nem personagem, nem livro, pelo menos dentro dos parâmetros criativos com que fico comovido. Beckett não poderia compor um personagem directamente afectado ou banalmente exposto. Beckett sobre Murphy não poderia dizer que agia conforme lhe dava na vontade porque seria uma chamada de atenção impetuosa para as qualidades do homem mas fatalmente enganadora sobre a espécie. Viver «como se fosse livre» indica um largo conhecimento anterior sobre a realidade das coisas mas não esquece o essencial. Na gaiola quase ninguém vive e no entanto «vivem como se estivessem fechados dentro». Sobre isso já foram escritas muitas histórias.

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